Encontrar um bom porta-voz é como achar agulha num palheiro. É muito, muito raro localizar um profissional que cumpra bem esse papel. Penso aqui na figura do porta-voz em um sentido mais amplo que o convencional. Incluo aí todas as pessoas e profissionais que se expressam em público em nome de alguma instituição ou em seu próprio nome. Ou seja, não falo aqui do porta-voz da Presidência da República ou de qualquer outra instituição.
A intenção aqui é falar de pessoas e profissionais cuja atuação envolve frequente exposição pública através de texto, voz, vídeo. Isto posto, vamos ao que interessa.
O que se vê hoje no país é uma cenário de ruínas. Políticos de todos os partidos, empresários, atletas profissionais, intelectuais, influenciadores digitais: poucos entre eles conseguem dar o seu recado de forma clara, objetiva, deixando transparecer sinceridade e empatia com pessoas ou causas.
O máximo a que políticos profissionais conseguem alcançar é falar de forma clara sobre determinado assunto ou pauta. Essa clareza é, no entanto, rotineiramente acompanhada por linguagem corporal e fisionômica que contrasta ou mesmo desmente o discurso oficial. O discurso diz o que o corpo desmente.
Já muitos intelectuais escondem sentimentos e emoções por trás de uma armadura imaginária com a possível expectativa de que isso lhes confira um ar de imparcialidade e rigor técnico. Terminam, na verdade, por gerar um discurso complexo, frio, insosso e de difícil compreensão para o comum dos mortais.
Nada há de muito diferente com empresários e porta-vozes de empresas. Com as exceções memoráveis que confirmam a regra, a maioria não faz bom uso da expressão corporal e facial. Eles dizem alguma coisa e fragilizam esse conteúdo mostrando postura distante ou mesmo concorrente em relação ao texto oficial.
Quem se destaca um pouco mais nesse cenário aterrador são os profissionais mais independentes, que nem sempre representam diretamente instituições, partidos, empresas. Nesse rol entram alguns poucos atores, influenciadores digitais, youtubers, jornalistas. Talvez por conta da própria atividade profissional, que exige delas treinamento para apresentações em público, essas pessoas conseguem estabelecer um elo mais harmônico entre o discurso e o gesto, a fala e o corpo, o verbo e a expressão facial.
Destacaria entre eles o nome do carioca Felipe Neto (@felipeneto), 31 anos, como bom exemplo de personagem que mostra, para os seus mais de 36 milhões de assinantes no YouTube, sintonia entre o que está presente no discurso e o que é revelado na expressão facial. Ele faz um discurso coerente, claro, direto, racional e, ao mesmo tempo, transmite empatia, humor e sinceridade. Não é preciso concordar com ele. Mas é surpreendente ver a sua performance, inteligência e autenticidade.
Um bom exemplo da presença pública de Felipe Neto é esta entrevista ao jornal Valor Econômico no dia 15 de setembro deste ano, em que ele revela clareza, coerência e agilidade mental para abordar temas políticos áridos e polêmicos.
Outro destaque é Pedro Aihara, porta-voz do Corpo de Bombeiros durante a tragédia da Vale em Brumadinho (MG). Aos 26 anos, Aihara prestou relevantes serviços à sociedade, transmitindo com clareza e empatia informações claras e objetivas sobre tema tão difícil e doloroso.
O que dá para aprender com tudo isso? Vamos aqui apontar elementos fundamentais para orientar a formação de bons porta-vozes:
- É indispensável construir uma narrativa clara, direta, coerente, baseada em fatos.
- A narrativa é parte importante, mas não é o único elemento.
- É fundamental demonstrar sintonia fina entre o discurso e o gesto, entre o texto e o corpo, entre a voz e a expressão facial. Um deve sustentar e fortalecer o outro.
- É preciso sinceridade sempre, acreditar no que se fala.
- É necessário reconhecer erros sem tergiversações. Quanto mais direto, melhor.
- Treinar porta-vozes é indispensável. Mas essa atividade deve ter como focos a autenticidade e a sinceridade. Treinar muito para ser o mais fiel possível aos fatos e à versão em que se acredita.
- Transparência é qualidade e contribui para a empatia.
- Emoção em excesso pode soar como confissão de culpa ou tentativa de manipulação.
- Emoção contida demais promove desconfianças e distancia as pessoas.
- O porta-voz precisa ter, sobretudo, uma boa causa para defender ou propagar. Sem isso, todas as recomendações anteriores ficam seriamente prejudicadas.